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DE FARDA

Como a Bancada da Bala paulista influencia as políticas de segurança pública no estado

O que é a Bancada da Bala e como o grupo atua em São Paulo?

O bloco suprapartidário, hoje composto por sete deputados, sustenta uma visão de Estado marcada pela pela resposta armada ao crime

A Bancada da Bala não nasce de um ato formal, mas da convergência de trajetórias, discursos e práticas que se projetaram no debate público ao longo das últimas décadas. Embora seja comum que existam grupos organizados por temas dentro do Legislativo, eles podem assumir formatos distintos: alguns se estruturam oficialmente, como as frentes parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp); outros se formam de maneira difusa, por alianças estratégicas e interesses compartilhados. É nesse segundo modelo que a Bancada da Bala se insere.

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Os parlamentares que compõem a Bancada da Bala são profissionais egressos do sistema de segurança pública, ou seja, policiais. Para Roberta Novello, socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV USP), são atores que foram socializados em instituições que têm perspectivas mais autoritárias de controle social, e justamente por isso têm uma visão específica sobre a autoridade, a obediência e sobre como se processa o conflito.

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Durante a Ditadura Militar (1964 - 1985), São Paulo se consolidou como um dos principais centros políticos e econômicos do país. A capital paulista teve papel decisivo tanto na execução das políticas do governo autoritário, quanto na articulação de movimentos de resistência que reivindicavam a volta da democracia. Enquanto crescia economicamente, impulsionada por obras como a construção do metrô e novas rodovias, a cidade também enfrentava os efeitos colaterais desse progresso, como o avanço da especulação imobiliária e o aumento da desigualdade social.

 

Na transição democrática, os governos estaduais mais poderosos assumiram papéis de liderança. E foi nesse contexto, justamente durante a assembleia constituinte, que funcionários egressos das forças de segurança entraram para a política. O Exército, as cúpulas da Polícia Militar e as Associações de Delegados de Polícia, por exemplo, se mobilizaram politicamente para tentarem influenciar a Constituição, conta Novello.  
 

No geral, após o regime militar, o movimento de reivindicação por direitos humanos cresceu. Segundo Teresa Caldeira, autora do livro “Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo”, a partir da redemocratização e após a libertação dos presos políticos, a atuação dos defensores de direitos humanos foi ampliada e voltou sua atenção aos presos não-políticos, que segundo a autora “continuaram sendo torturados e obrigados a viver em condições degradantes”
 

O primeiro governador eleito por meio de voto direto no estado, Franco Montoro, teve uma gestão caracterizada pela tentativa de controle da violência policial e a ampliação da política de direitos humanos. O então secretário de Justiça, José Carlos Dias, era um conhecido defensor dos direitos de presos políticos durante a ditadura, e depois, dos direitos humanos. Isso, no entanto, causou resistência.
 

A autora identifica seis atores importantes que foram pioneiros nesse movimento e foram os precursores do que chamamos hoje de Bancada da Bala: 

As origens

O Conte Lopes é uma representação desse ethos da rota, que é aquela disposição do matar e do morrer para produzir segurança pública, já o Erasmo Dias apresenta uma visão muito mais direta, de ser como um porta voz da ditadura militar. E tem o Edson Ferrarini que foi muito diferente, ele tinha uma plataforma política mais ligada à saúde, falava sobre saúde mental dos policiais"

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Roberta Novello

Defender os direitos de “criminosos” não era uma pauta muito querida pelo eleitorado e, coincidentemente, no período do governo Montoro (1983 - 1987), São Paulo enfrentou uma onda de crimes violentos. Foi assim que o grupo suprapartidário, recém unido para combater os ditos “privilégios dos bandidos”, ganhou força. “Achar que as pessoas no geral, não deveriam ter direitos humanos conforme o que elas fizeram ou não é uma certa instrumentalização dessa não popularidade dos direitos humanos para as corporações defenderem os seus métodos de trabalho", diz Novello.
 

Apesar de não compor uma estrutura oficial do poder público, a socióloga diz que o grupo se originou, principalmente, a partir de reportagens que começaram a jogar luz na tal “Bancada da polícia”. De certa forma, esses deputados atuavam na manutenção da Justiça Militar estadual e em várias prerrogativas das polícias. 
 

Existiam duas pautas principais que os uniam: direitos trabalhistas para policiais e discursos anti direitos humanos ou de resistência ao controle civil. “Ali eles também aprendem o que é ser deputado, como falar com as audiências, como escrever um projeto de lei”, explica Caldeira. Algumas temáticas vêm e vão,  e até mesmo as formas de se portar no plenário foram ora atenuadas, ora acentuadas. Mas as raízes da Bancada que conhecemos hoje se instituem nesse processo de reorganização dos poderes. 
 

Novello conta que, durante a transição democrática, o grupo chegou a apoiar o governo Montoro em muitas questões, mas isso mudou em 1985, quando a Associação de Delegados de Polícia de São Paulo publicou um manifesto dirigido à população que mostrou, pela primeira vez, a postura anti direitos humanos que romperia essa amabilidade. 

Os tempos atuais são de intranquilidade para você e de total garantia para os que matam, roubam e estupram. [...] Bandidos são protegidos pelos tais ‘direitos humanos’, coisa que o governo acha que você, cidadão honesto e trabalhador, não merece"

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(Caldeira, 2000, p. 347)

Esse tipo de divisão separava os “vagabundos e criminosos” — geralmente pobres, pretos, moradores das favelas — dos “cidadãos de bem”, que por coincidência, ou não, caracterizavam-se por serem endinheirados, brancos e vítimas de um governo permissivo, que apoiava o crime. "De certa forma, essa visão de divisão social sempre existiu dentro da sociedade brasileira, a gente pode pensar até na ditadura militar, que determinou o que eram os subversivos, o que eram cidadãos de bem. Isso é algo que vai sendo sempre atualizado, o mal vai sendo composto por diversas figuras que mudam conforme o que é do interesse político", diz a socióloga. 

A mídia e o discurso

Um dos primeiros membros da primeira Bancada da segurança era também um velho conhecido do público, o radialista Afanásio Jazadji. À época, ele era âncora do programa de rádio policial mais popular de São Paulo, o “Patrulha da Cidade”, que dedicava suas horas no ar para narrar crimes e expressar descontentamento com as políticas públicas do então governo.

Programa do Afanásio Jazadji
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A mídia historicamente desempenha um grande papel na esfera pública. Segundo Jeniffer Mendonça, jornalista especialista na cobertura de segurança pública, existe um processo de glorificação da violência: “Esse viés de violência, punitivismo, de uma segurança pública linha dura, ele não é novo. Muitos personagens foram alavancados, principalmente, por esses programas de TV sensacionalistas, e aqui eu digo o nome porque é de conhecimento público, como o Cidade Alerta, Brasil Urgente e similares”.


Isso contribuiu para que os policiais tivessem a popularidade catapultada nessas emissoras, que usaram esse capital político para apoiar suas candidaturas, virando ferramenta de marketing político. “Estamos acostumados a um nível de espetacularização da violência, que também é muito promovida pela imprensa, e é muito fácil de policiais entrarem nesse discurso e se popularizarem com ele", explica Mendonça.


Novello concorda, afirmando que a mídia acaba se tornando uma plataforma para esses discursos. Ela também problematiza o estilo de jornalismo declaratório, que ouve e reproduz determinadas falas, e é pouco crítico em relação a isso. “Você tem uma relação mútua. A mídia vai focar em quem tem discursos autoritários ou muito agressivos, porque isso é visto como polêmico. E é interessante para esses candidatos produzir cada vez mais esses discursos, porque eles vão aparecer mais na mídia. Seja pela anuência ou pelo repúdio, isso cria audiência no mercado de notícias”, diz.​

A socióloga aponta também que, com o passar do tempo, há um refinamento dos discursos empregados por esses deputados,  especialmente quando se põe o momento político presente em cheque: “Mobilizar hostilidade social sempre foi algo que teve potência, porque confirma identidades entre essas pessoas, como quem diz ‘eu não sou o vagabundo, eu sou um sujeito de bem’. Esse tipo de discurso se tornou uma mercadoria política".

Além do refinamento dos discursos, com o surgimento das redes sociais é possível perceber uma intensa presença dos oficiais da segurança pública na internet: “Os policiais agora não precisam mais de um intermediador de TV, jornal, para projetarem as suas imagens e os seus discursos. Antes isso ficava muito restrito aos programas sensacionalistas que acompanhavam operações policiais, que faziam entrevistas com algumas figuras específicas", lembra Mendonça.

 

Com as plataformas, os policiais conquistaram certa autonomia nesse sentido. Como pontua a jornalista, eles podem ter suas próprias contas, monetizar o conteúdo que produzem, têm controle do que é publicado e de como querem aparecer e projetam sua influência com mais facilidade.  Ela cita ainda alguns nomes que ascenderam na vida política com auxílio das redes: “O deputado Coronel Telhada, que projetou o filho dele, o Capitão Telhada, que é deputado estadual; o secretário de Segurança Pública aqui de São Paulo, Guilherme Derrite, também foi assim. E todos eles também tiveram participações em programas policiais, porque há esse apelo de se instrumentalizar a polícia de uma maneira política”.

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A política da bala e da moral

Algo comum entre os eleitos é a manutenção do vínculo da imagem ao serviço policial. Muitos deles se dizem porta-vozes da própria corporação “Eles utilizam a própria corporação, inclusive os instrumentos policiais, equipamentos e fardas no parlamento”, diz Mendonça. 
Além disso, durante o período eleitoral,  muitos abordam questões salariais e até mesmo relacionadas à saúde e qualidade laboral dos oficiais da segurança.  “Na plataforma eleitoral eles dizem que vão lutar pelo policial, mas dificilmente conseguem aprovar muitas pautas em relação a isso. Então você tem a produção maciça de legislação simbólica, como nome de rua, homenagens, eventos públicos”, explica Novello.


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Uma das grandes conquistas da Bancada foi a Operação Delegada. Instituída pela Lei Nº 14.977 de 11 de setembro de 2009, ela permite a Gratificação por Desempenho de Atividade Delegada, regulamentando o pagamento extra feito pela Prefeitura de São Paulo a policiais militares e civis que atuam em atividades de competência municipal durante dias de folga. A medida, criada na gestão de Gilberto Kassab, buscava reforçar a presença policial em ações como fiscalização urbana e segurança em áreas públicas, transferindo recursos municipais para custear essas horas extras de trabalho. O valor é calculado com base na Unidade Fiscal do Estado de São Paulo, variando conforme a patente do servidor. 


A lei institui ainda que cada secretaria municipal adepta do programa crie uma Comissão Paritária de Controle, responsável por fiscalizar a execução dos convênios, garantir a transparência dos gastos e validar as horas efetivamente trabalhadas. Desde sua criação, a lei vem sendo alterada para atualizar regras de cálculo e controle, mantendo o objetivo de ampliar a segurança local sem ferir os limites legais de atuação entre o Estado e o Município.
 

No entanto, desde sua instituição a legislação foi alvo de críticas por parte da sociedade civil, da mídia, de pesquisadores e ativistas, como indica uma reportagem da Ponte Jornalismo, publicada em abril de 2025. Elas foram intensificadas após o fortalecimento da política, em dezembro de 2023, quando houve aumento no número de policiais participantes e reajuste nos valores pagos pelo programa. A truculência das abordagens é frequentemente exposta pela mídia. Em abril de 2025, o vendedor ambulante senegalês Ngange Mbaye foi morto à tiros por um policial que atuava na Operação Delegada. 


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Para ela, os impactos concretos desse grupo na sociedade paulista ao longo dos anos focam na legitimidade, e por vezes na popularização de seus posicionamentos.

Outro projeto de lei importante, foi o “PL anti-pancadão”, de autoria dos parlamentares Coronel Telhada e Coronel Camilo. A Lei Nº 16.049, de 10 de dezembro de 2015, aprovada na gestão de Geraldo Alckmin, “nasceu com o objetivo de garantir o sossego sonoro da população, além de buscar a diminuição do consumo de álcool e drogas por menores de idade”, segundo portal da Alesp. Segundo a justificativa de seus autores, a relação entre o consumo de álcool e entorpecentes por parte de menores seria recorrente nos ‘pancadões', os bailes funk que acontecem na periferia.

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A norma proíbe sons de alto volume que perturbem o sossego, independentemente do tipo de aparelho, incluindo rádios, caixas de som, celulares ou instrumentos musicais. O descumprimento acarreta multa de R$ 1.000, com valores que dobram na reincidência e quadruplicam a partir da segunda infração. Além disso, caso o condutor desobedeça às ordens de abaixar o som, a autoridade poderá apreender o equipamento ou o veículo. As penalidades não excluem eventuais responsabilidades civis ou criminais.


Em junho de 2025, o Projeto de Lei Complementar nº 135/2023, de autoria do deputado Major Mecca (PL), foi aprovado depois de dois anos de tramitação na câmara. Propôs uma nova redação ao artigo 17 do Decreto-Lei nº 260, de 29 de maio de 1970, que trata das regras de transferência para a reserva remunerada dos policiais militares do Estado de São Paulo.


A proposta definiu que os policiais militares podem se aposentar com vencimentos e vantagens integrais ao completar 35 anos de serviço, sendo pelo menos 30 anos em atividade de natureza militar. Também estabelece regras de transição para quem ingressou na corporação até dezembro de 2019, prevendo acréscimos proporcionais no tempo de serviço e limites para o aproveitamento de períodos contribuídos em outros regimes previdenciários.


É considerado um avanço para os policiais militares, porque amplia de cinco para dez anos o limite de tempo de serviço prestado em outros regimes previdenciários que pode ser averbado na carreira, permitindo que mais profissionais aproveitem integralmente a experiência acumulada antes de ingressar na corporação. Além disso, o projeto garante que esse período conte oficialmente como tempo de natureza militar para fins de inatividade, assegurando melhores condições no momento da passagem para a reserva. 


Também em 2025, o deputado e membro da Bancada Major Mecca (PL) foi reeleito presidente da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Assembleia Legislativa de São Paulo, e o deputado Delegado Olim (PP), também membro do grupo, foi reconduzido à vice-presidência para o biênio. O colegiado é responsável por discutir, fiscalizar e propor políticas ligadas à segurança e ao sistema prisional do Estado de São Paulo. Atua como espaço de debate legislativo sobre temas que envolvem as forças policiais e a gestão da segurança pública.


Isso reforça a continuidade da liderança e a influência da Bancada sobre as pautas ligadas à segurança pública. Como presidente e vice, Mecca e Olim conduzem as pautas, organizam as reuniões, definem prioridades e representam institucionalmente a comissão em temas que impactam diretamente o trabalho das forças policiais e a segurança da população paulista. No entanto, segundo dados abertos, a atuação da comissão tem baixa produtividade: em 2025, apenas duas das 13 reuniões previstas foram realizadas por falta de quórum. A situação levanta questionamentos sobre a efetividade do colegiado, que deveria ser um dos principais espaços de discussão das políticas de segurança no Legislativo paulista.


Nas últimas eleições estaduais, sete deputados estaduais eleitos são considerados membros da Bancada da Bala na Alesp, são eles Agente Federal Danilo Balas (PL); Capitão Conte Lopes (PL); Delegada Graciela (PL); Major Mecca (PL); Tenente Coimbra (PL); Capitão Telhada (PP); Delegado Olim (PP). Há anos o grupo vem se consolidando como uma força simbólica e institucional, capaz de influenciar tanto o debate público quanto a própria cultura política da assembleia. Mais do que um grupo de parlamentares, ela representa uma visão específica de Estado, pautada na ordem, na disciplina e na resposta armada ao medo social. 


Mas quem são, afinal, os rostos por trás dessa narrativa? No podcast O Homem por Trás do Nome, mergulhamos no perfil de um dos parlamentares mais emblemáticos presente na Bancada hoje, sua trajetória, suas motivações e o legado que ajudou a construir no plenário e nas forças policiais.

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